quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

O A-final

Para iniciar esse ano de 2017 em meu blog, insiro aqui um conto que escrevi anos atrás, de ficção científica, cujo tema é atinente aos tempos atuais e aos temas de meu blog (a consciência humana e o que pode advir no futuro se continuarmos nessa escalada irrefreada de pensamento fragmentado sem percebermos o que fazemos (de mal) a nós mesmos, aos seres vivos todos e, enfim, ao planeta. Espero que apreciem meu conto "O A-Final".

– Conta-se que há muito tempo, num passado em que a civilização ainda era materializada, a vida já havia acabado. Embora não houvesse registros de que os seres viventes soubessem desse paradoxo, uma das informações ficou condensada como marca volátil, e agora pode ser acessada por quaisquer mentes etéreas, bastando-se obter o código mnemônico do planeta, quando ele estava em estado físico. A mensagem na caixa eternea nos vem assim:
“Foram milênios de construção.
Etapas de assentamento e tentativas de conscientização.
Aquele conhecido como Gibran khalil Gilbran sintetizou de forma poética o que é o olhar à natureza, mais ou menos dessa maneira: as árvores são poesias que a terra escreve sob o firmamento.
Mas era preciso que se entendesse o que é poesia...pois do contrário converter-se-ia tudo em apoiesis, forma sem alma, sem vida, apenas utilização maquinal!
Porém, esta espécie humana se moldou como um arremedo de si mesma... Principalmente quando confrontada com suas possibilidades éticas, às quais pensava estar exercendo!
Fragmentações psíquicas, antagonismos, preconceituações, assassinatos, imputações, maledicências e egrégoras de formação perniciosa resultaram destas aglomerações mentais.
A humanidade não poderia ter singrado rumo mais cruel e inóspito!
Ainda assim, a ciência – cega por se fiar apenas no hemisfério racional esquerdo do cérebro neocortical humanoide – chegou aos quanta e à consciência de que o homem é uma espécie de demiurgo, que pode catalisar seus desejos e trazer à existência uma cocriação universal prenhe e carregada de possibilidades.
Ilustração feita para o conto.
Aquele conhecido como Freud havia advertido acerca do uso da energia sexual...mas pensava que os males estariam neste uso. Outro homem, Reich, apontou tal energia rebatizando-a de orgone, mas foi dado como louco, e transformado, ironicamente em um Zé-Ninguém tal qual seu livro Escuta, Zé-Ninguém. Pois ninguém quis ouvi-lo!
Ecos vieram, de uma poluta violação da alegria e liberdade criadora, barradas pela linha de produção para alimentar as bocas que produzem as máquinas... ouroboros, ciclos que se repetem e os acometem.
Se um ser, habitando fora do orbe terrestre observasse a vida humana e seus percalços aqui na Terra, concluiria que a razão desabitava a mente do homem.
Pois no fazer incessante, enquanto muitos sofriam de fome e falta de abrigo, poucos outros retinham imensas quantias, tornando-se incongruente a vida humana com uma lógica paradoxal, que não encontra reflexo na física quântica, e sim numa incoerência mais estranha e bizarra.
Se a natureza poetizava com as árvores, o homem degradava com as fábricas: enegrecia as águas e os céus, avermelhava as paredes de abatedouros e corrompia a si mesmo ao não permitir a vida fluir e o dinheiro circular.
Ainda mais ao adquirir bens – tecnológicos principalmente – de modo incessante, a bel-prazer imediato. Não se configura sábio, mas torpe! Pois ter sem apreciar não se justifica e o homem não dispunha de tempo para apreciar!
A infância do homem já teria ido na sua pré-história...mas a adolescência ainda está findando.
O fim de um mundo pode não vir como aquele descrito pelos profetas antigos ou videntes, que usavam seu hemisfério direito cerebral – conectado ao cosmo – para admoestar seus contemporâneos e os que estariam por vir.
Pois pode sê-lo de outra maneira: um fim dilacerando partes da mente, obstruindo a criatividade, anulando o bem-fazer da criação!
Está morto o que vive pela morte – ainda que não saiba que o faz jazendo na morte. Está morto o que repete trabalhos exaustivos para manter um padrão sem criatividade, apenas para que se complete o ciclo das 24 horas solares!
Está morto o que desperta pela manhã e corre a seu cubículo obrigado a lá se trancafiar, para cumprir prazos e sorumbáticos trabalhos burocráticos, enquanto outro jaz esmolando esfarrapado pelas ruas... Ambos estão, de certa maneira, destituídos de vida, pois seus cérebros não funcionam plenamente: apenas uma parte, mantendo-os vivos e criando mentalizações obscuras e torpes.
A vida na criação se perde assim!
As árvores que surgem ao fundo, como que trazidas de forma poética pela terra – conforme lembrou Gilbran –, não surgem a esses homens, ou surgem como postes de concreto cinza.
Estão mortas-vivas as pessoas que giram em seus elétrons sem pular de camadas...não dão os saltos, e por isso não se conformam à natureza dual e probabilística da vida!
O artista sincero sabe disso e tenta – e todos seriam artistas, pois se não o são, não realizam a vida!
E esta, sem a atuação do ser homem ludus/demens/sapiens – como já disse o pensador terrestre chamado Edgar Morin –, os faz mortos!
Muitos se desesperam com um provável fim do mundo físico, advindo de muitas possibilidades: fogo, destruição, água, bombas etc.
Mas não é preciso vaticinar... Nem aguardar... Nem pensar que o fim se daria exclusivamente de alguma dessas maneiras.
De certa feita, ele já ocorreu: é o fim da liberdade da vida, do fazer criativo, é o apegar-se ao deus-dinheiro e trabalho forçado em um sistema pungente que não permite alegria e vida. A morte vem a cada instante, a cada segundo para cada um. Pois criam-se males e doenças e ampliam-se a poluição e a desonestidade... O medo ocorre a cada segundo e ninguém pode fugir deste estresse peremptório que assalta e retira a alegria e a vida, tornando-os preocupadamente sorumbáticos, fatigados e envelhecidos.
São máquinas escravizadas do sistema monárquico de um poder autogerado e perpetuado por uma regra que mantém as castas: os que trabalham, os que se escravizam, os que se marginalizam sendo excluídos, e os que ganham somas elevadas monetárias se afastando em castelos de segurança. São todos desunidos, aprisionados em celas e já de caminhos traçados até à morte física que pode ocorrer antes por acidente, por fome, por aprisionamento, por desilusão, por desgraças e por dor.
Mas antes disso, o Fim, caro ser receptor, onde quer que você esteja nas esferas cósmicas, não está próximo: o Fim já ocorreu!
Ou então ocorrerá com a conclusão desse sistema.
Eu aqui findo esta narrativa”.
Afirma ainda o ser:
“Deixo cá tal mensagem, mesmo ‘vivendo’ entre vós...pois não cessarei minha essência no término da vida física. Aguardarei que a morte me venha, enquanto que sou um dos únicos a bradar que estamos realmente não-vivos... Para que eu viva verdadeiramente!
Haverá agora, afinal, a possibilidade de um novo nascer... Um novo desfinal... Um real e contrário...a-final?”
Como se percebe, esta época era realmente primitiva. Os seres que ali habitavam não sabiam que viviam em estado de preparação, por assim dizer, e graças a nossa intervenção, eles não mais não-vivem, sendo agora incorporados como parte da antimatéria tal qual informação psíquico-cósmica e que nunca finda!
Mas, preletor, se não tinham tal consciência, como houve esse registro...digo, um deles possuía tal sabedoria, não?

Sim. Mas não era UM deles. Era um ser resultante da egrégora colapsada de todas suas consciências. Eles mesmos, como informação autoconsciente, que se desprendeu e se formatou como “memória” final de registro, servindo de alerta aos outros seres das galáxias, como nos tem servido...
Esse conto que escrevi de fc foi publicado em 2009 nesse livro "Dias Contados: contos sobre o fim do mundo" da Ed. Andross (imagem da capa).

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