Esta nova Edição da Mitologia Aberta nº XXIV mantém a qualidade com seus textos, artigos, HQ e...ilustrações! A capa (e última capa, bem como outro desenho nas páginas internas) são da artista Martinique (Nique), e trazem seu estilo, mas com algo de renovador no tema. Em geral, suas artes são pintadas a canetas esferográficas, mas esta imagem estampada na capa traz uma pintura com outra técnica que ela também utiliza, a aquarela (sem falar do fundo, que remete a hieróglifos cunhados numa parede!). As sutilezas da pintura emanam o processo interiorizado e a imagem resplandece sua simbologia única (a meu ver, claro): uma personagem que embora remeta ao Egito, traz algo de elementos nativos pré-colombianos (sua estampa na vestimenta, por exemplo, me lembra a pele da onça-pintada). Esta mistura de elementos e épocas e povos transcende o mero significado e misterioriza* o que o leitor pode focar ao olhar (que não pode ser só de soslaio).
![]() |
Trecho da capa com arte de Nique, da Revista paratópica "Mitologioa Aberta", nº 24, maio de 2025 |
Na página 07 podem-se visualizar duas outras ilustrações realizadas por Nique, denominadas “Seshat II” e “Seshat III” (sendo a Seshat I, a personagem da capa). Com isto, aprendi que ela era uma deusa egípcia associada à escrita, deusa das bibliotecas e dos escritos, o que se reforça pelo texto de Andréa Capraro. Na última capa, a quarta, visualiza-se melhor a Seshat III, pois o fundo escuro denota um momento de produção introspecto em que a personagem provavelmente prepara seu instrumento que poderá servir de pena para escrever.
Claro que posso ter interpretado de maneira subjetiva alguns elementos das figuras, mas foi o que percebi enquanto absorvia tais artes, embora sejam imagens que claramente ilustram de forma temática o artigo “SESHAT: A DEUSA DA SABEDORIA, ESCRITA EARQUITETURA NO ANTIGO EGITO” de Andréa Capraro. O leitor poderá visualizar melhor, pois há outros itens que preferi não mencionar aqui, inclusive um símbolo no rodapé das imagens, que corresponde a algum item egípcio, mas que não reconheci: lembrou-me do ômega, mas decerto, como é egípcio e não grego, pode ser algum outro - talvez o símbolo Ankh, estilizado por Nique, ou ainda algo relativo à meditação e/ou inteligência, já que a divindade de Seshat também representava, segundo o artigo, a meditação e o cálculo. De toda a maneira, a criatividade poética e os conhecimentos da artista propõe-nos esses desafios.
Além destas ilustrartes*, bem como os artigos, há uma história em quadrinhos (HQ) intitulada “Segurant – o cavaleiro do Dragão”, de autoria por E. Arioli, E. Tanzillo e Alekos. Embora lembre a linha clara franco-belga nas cores, tem uma mistura de mangá com uma condução de requadros e perspectivas que se diferenciam dos quadrinhos japoneses, indo além (bela perspectiva de abertura da HQ em que o requadro é parte das paredes de uma casa, que pode ser observado na pg. 61 da revista)!
![]() |
Quadrinho da HQ "Segurant - o Cavaleiro do Dragão", parte integrante da "Mitologia Aberta", n. 24. |
Para os apreciadores do Death Metal, há um texto-resenha explorando a sonoridade dos discos de Amon Amarth, dentro da seção “Vitrola de Orfeu”.
![]() |
Excerto da página 44, sobre a banda Amon Amarth que também integra a mesma revista. |
Cada edição editada por Larissa Dias é uma verdadeira epopéia pelas mitologias e incursões pelas artes, dando vivacidade aos (con)textos e trazendo os novos artistas/autores/escritores que o Brasil desconhece, mas que simplesmente mostra a pungência criativa deste povo que é uma mescla de todos os outros anteriores, mas de uma maneira renovadamente sui generis! A intuição de Larissa, ao criar a revista, é algo que Rubem Alves referenciaria como um senso-comum - mas incomum aos tempos atuais - que necessita existir, além da ciência per se, e não deveria nunca ser rechaçado ou minimizado em relação à sua importância sintomática da existência.
E por isto essa revista paratópica não chegou à toa ao número XXIV, pois retrata esse imbricamento criativo que ainda não foi devidamente reconhecido pela própria nação tupiniquim, e que inadvertidamente, reflete o coração desta mescla de pessoas oriundas de todos os lugares (sem nos esquecermos dos nativos indígenas que aqui também se encontram – apesar de o homem “branco” ter trucidado milhões nesse processo colonizador).
Mas chegamos a um momento em que é necessário rever nossas posições, respeitar as origens e manter a vida na amplidão e neste sagaz e fértil cadinho caleidoscópico de raças conjugadas. E ações como as da Larissa, materializando tal revista, são estertores e símbolos desta autenticidade generativa que ainda não foi satisfatoriamente percebida por nós.
Aliás, existe um certo ideário atinente a essa publicação “mitologia”, e não apenas uma coincidência em seu título ao ostentar também a palavra “aberta”: como uma revista que se abre em páginas, mas também se descortina sem se prender ao padrão de publicações ditos “oficiais”.
A Mitologia Aberta acresce, assim, de colaboradores em que ninguém recebe verba, e Larissa não visa lucro algum – o que é um espelho real do fanzinato que está em paralelo ao sistema e é atinente aos fanzines, zines e revistas independentes que simplesmente existem contrapondo-se ao sistema oficial de publicações mundiais: vejo que esta revista idealizada pela Larissa segue este caminho, o que me permite nomeá-la de um “fanzinão”, ou até uma publicação que seria um “prozine” (embora haja diferenças de entendimento do que este apresenta como características, das de um simples fanzine, ou zine, mas que não vem ao caso aqui). Afinal, como quaisquer uma destas mencionadas, Mitologia Aberta existe na paratopia (em paralelo e sem visar lucro às publicações oficiais do sistema mundial), sendo editada e publicada online e com esmero e auxílio de todos que nela colaboram (eu também colaboro, vez ou outra), tal qual existe no fanzinato desde sempre (ou desde 1930, quando foram iniciados os fanzines como boletins de amadores da literatura da ficção-científica).
E os participantes da revista, como Martinique, atestam esta marca, esse símbolo, esta característica de uma paratopia insistente e resiliente, que afronta o sistema, irmanando seus colaboradores, ressignificando a vida, a arte e a beleza, a qual no fundo, todos buscamos, como uma vez disse Domenico de Masi numa de suas falas. Ou será que foi Edgar Morin? Bem, nem eu mais me lembro qual deles foi: mas ambos foram perspicazes acerca da alma humana, como o foi Rubem Alves, que também primava por isso e nos clamava a que a vida não fosse apenas a frieza da ciência...ela não nos representa per se, mas aglutinada pela emoção, pelo amor, tal qual aludia Leopoldo de Meis que quadrinizou o método cartesiano e me confessou por telefone (quando eu elaborava minha tese), ter assim procedido pois que a universidade precisa da emoção, e não apenas da informação científica (sem humanismo)...e Diucênio Rangel desenhou seu intento de maneira peculiar (infelizmente, ambos não se encontram mas entre nós, mas ficaram seus registros).
Assim, advirto que esta Mitologia Aberta não é só um nome...é a própria porta para nossas vivências, as mais curiosas e alegres na busca dos saberes...tal qual se estampa na instigante capa que abre este vigésimo quarto número!
Parabéns a Nique pelo conjunto da obra de arte, e a Larissa pela escultura que a envolve (a revista, o magazine, o pro-zine), pois ainda que digital, nos faz pensá-la como material, embora feita de luz e onda, vertida em matéria possível (e passível) como energia coagulada eisnteniana!
Finalizo então, com a iluminação mental que a publicação propicia, ao (nos) envolver com o mito geral – que vem do passado, se estampa no presente e nos arremessa a um possível futuro, prenhe de tudo o que é feito no universo, ainda que sequer saibamos mais que ínfima parte dele!
A revistazine*, pois, existe para nos ajudar colaborativamente a desvendar parte deste sagrado enigma cósmico...mas como aliada nossa, já que somos testemunhas e repensadores do que nela foi pensado por outrem!
Longa existência aberta à Mitologia, e a nós todos, seus libertos acólitos!
Links e contato:
https://www.mitologiaaberta.com.br/ (às revistas Mitologia Aberta)
https://drive.google.com/file/d/1_HGWt5uO4UQ88SVed1310ztvWSJswYZj/view (direto à Mitologia Aberta, nº XXIV)
E-mail: hermes@mitologiaaberta.com.br
![]() |
Excerto da página principal do site: https://www.mitologiaaberta.com.br/ |
Mais:
Acerca
da beleza: https://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/05/autor-de-ocio-criativo-defende-amor-e-beleza-na-formacao-do-aluno.html
O Método: https://artedafisicapibid.blogspot.com/2020/06/leopoldo-de-meis-diucenio-rangel.html
Gazy Andraus escreveu, revisou e ampliou essas entre 03/05/2025 a 04/05/2025 (professor substituto de Arte no IFSP-S. J. Rio Preto, pós-doc acerca dos artezines pela FAV-UFG, Dr. em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, pesquisador/autor de HQs e zines poético-fantástico-filosóficos e criador do Canal youtubíco GaZine. yzaandraus@gmail.com)
*livres criações das palavras, incluindo um tri-vocábulo que elaborei, mesclando junto a palavra francesa melange+mel+anjos = melângelos!