Edgar
Franco me presenteou com seu álbum (magnificamente ilustrado por Mozart Couto),
BioCyberDrama Saga, o qual li com extremada reflexão. Pediu-me para resenhar a
publicação, mas eu lhe disse que precisaria de tempo para reler a obra e
abordar com cuidado. Porém, o tempo passou e não consegui reler ainda. Outras
resenhas foram pipocando pela rede, incluindo uma excepcionalmente
pormenorizada de Danielle Barros. Porém, é claro para mim que jamais uma obra
se esgota, tanto na leitura e entendimento, como nos dados que se obtêm ao
pesquisá-la. E além disso, cada um de nós tem uma visão pormenorizada,
particular, que junto das visões de outrem, soma e amplifica os vieses a serem
contemplados, enriquecendo-nos em conhecimento e reflexão. Aqui apresento a vocês,
então, a resenha de Thaisa Maia, que vem suprir a lacuna de eu ainda não ter
elaborado uma para essa grandiosa obra impactante. A resenha de Thaisa
traz várias considerações interessantes da obra de Franco e Couto, mas
particularmente me detive mais ao final, quando ela traz uma abordagem que é
essencial à obra, e a permeia, coincidindo à realidade humana: o descortinar do
item principal que perpassa a mensagem perene do álbum BioCyberDrama Saga, em
relação à crítica que o autor artista multimídia e Ciberpajé Edgar Franco nos diagnostica
sutilmente faltar em nossa civilização (e na “futura” possível que ele criara
em sua HQ, como consequência desse mal desenvolvimento da atual), e que
deixarei de mencionar aqui para que descubram ao lerem (e refletirem) junto às
palavras da poeta Thaisa Maia, quem descortinou e nos trouxe esse item,
ricamente ilustrado com reflexões com base em Fritjof Capra e Osho. Apresento-lhes,
então, em meu blog, o texto de Maia, a seguir:
'Enquanto novas e complexas tecnologias vêm cada vez mais sendo incorporadas ao cotidiano humano
e aos próprios
humanos, a imensurável sabedoria
cósmica manifesta
pelo contato com a nossa essência aparentemente vem sendo esquecida
e perdida. Sabedoria esta capaz de transcender conhecimentos científicos, solucionar conflitos, problemas e responder dúvidas
que emergem do coração
humano.
Como essência da HQ e de sua poética,
em Hightech, a intuição
é resgatada em sua
importância através do último xamã existente na Terra no mundo ficcional
pós-humano de Edgar Franco. Essa tecnologia quase extinta e irreproduzível advinda do âmago humano
torna-se, senão essencial, a paz de uma nova humanidade permeada por males e perturbações que contrariam a racionalidade e clamam pelas soluções da voz interior. Quando com crises,
conflitos e doenças,
a população desse universo hipertecnológico convida o índio-xamã com sua ancestral
sabedoria e magia. Eu diria que para além, é um convite ao leitor,
a reconexão à sua verdadeira natureza
de onde provêm conhecimentos
de eras.
Franco aborda um importante conceito de seu universo
ficcional trabalhado em Hightech, a telemítica (telemática + mítico),
em que o intrínseco aspecto transcendente do homem, vive e sobrevive com elementos míticos e arquetípicos presentes em um espaço hipertecnológico. Foi na HQ filosófica BiocyberDrame lançada em 2000, que este como os demais conceitos surgem para dar luz ao seu universo ficcional, Aurora Pós-Humana. Influenciado por artistas,
filósofos e cientistas
pós-humanos, Edgar Franco
retrata em uma curta narrativa de histórias em quadrinhos suas reflexões, apresentando desenhos detalhados, expressivos e instigantes e textos poéticos e viscerais.
A HQ Biocyberdrame traz o vislumbre de um mundo hipertecnológico futuro, mas que em sua conclusão
revela que inquietantes dilemas existenciais ainda perpetuam. A vida permanece como um inexplicável mistério a racionalidade e a avançada ciência de uma pós- humanidade, transcendendo as percepções de uma consciência limitada
e os valores a ela impostos. A alusão da capa ao clássico
verso de Hamlet,
"Ser ou não ser, eis a questão", recontextualizado para esse mundo futuro, a meu ver, reafirma essa visão. Continuam
a emergir do coração pós-humano as primordiais dúvidas humanas que trazem questionamentos sobre o enigma-existência e o existir, o que é ser e se somos ou não. E é em torno desses questionamentos
que posteriormente a emocionante BioCyberdrama Saga se
constrói.
Após receber
um exemplar da HQ Biocyberdrame lançada na forma de fanzine,
o notável desenhista de quadrinhos Mozart
Couto convida Edgar Franco - outro notável desenhista de quadrinhos e grande múltiplo
artista - para realizarem uma parceria que então dá origem ao álbum, sendo a parte I lançada em 2003 e a II e III, dez anos após. Ao todo são 250 páginas
que o compõe, contando
com um minucioso
e longo prefácio
de Edgar Franco,
marcante apresentação do saudoso
Elydio Santos Neto, posfácio e surpreendentes anexos. Os anexos,
além de conterem
na íntegra as incríveis
HQ Hightech e Biocyberdrame, trazem a HQ Igualdade
e páginas do processo criativo dos autores.
Em Igualdade é também evidente a presença do misticismo pelo ritual religioso
de
batismo de um bebê pós-humano.
Como fã e admiradora da obra de Edgar Franco, achei conveniente registrar minhas impressões sobre um álbum
magistral e mágico, que encanta
e nos envolve, como também inquieta, conduzindo-nos em sua história
a enriquecedoras reflexões
sobre a condição
humana em uma pós-humanidade. Biocyberdrama Saga não foge do mundo atual por retratar
um mundo futuro. Ao contrário
de estar distante
de nossa realidade, a problematiza, a questiona
e leva-nos a refletir sobre o mundo
que vivemos e que possuímos
em nosso interior.
É uma narrativa permeada
por sentimentos e emoções humanas expressados por seus personagens, em que dela, também nos sentimos parte.
Mas necessário dizer que como autêntica obra de ficção científica, Biocyberdrama Saga provavelmente antecipa uma realidade
próxima, concretizando proposições de transhumanistas e ciberartistas que em suas pesquisas, experiências científicas e manifestações artísticas anunciam um novo momento,
o de ruptura com o humano.
Nessa nova fase pós-humana, os avanços tecnocientíficos trazem significativas mudanças de valores
e comportamento, como por exemplo,
a rejeição do conceito de paternidade por uma das espécies, os tecnogenéticos, que subvertem
as relações conjugais permitindo a união de três ou quatro seres. Novos tecnogenéticos são gerados apenas
artificialmente, mediante encomendas aos
laboratórios.
Franco, através de sua arte, certamente demonstra ver e ir além, também por suas experiências em múltiplas realidades e dimensões, que transcendem a limitada percepção da realidade
ordinária. É um explorador do cosmos, capaz de trazer um universo de novas possibilidades, provavelmente por muitos nunca imaginadas. E Biocyberdrama Saga, como uma de suas mais importantes obras, traz parte desse espírito incomum,
aventureiro e de grande sabedoria.
Pelos detalhados cenários e instigantes criaturas pós-humanas ilustrados por Couto, facilmente somos ambientados no universo
da Aurora Pós-Humana retratado na narrativa, em
que o natural e artificial se fundem,
em que as fronteiras entre a carne e máquina são diluídas apesar daqueles que
ainda insistem em conservarem a forma humana, entre eles, Antônio Euclides, um
jovem resistente mas que possui um inquietante dilema: tornar-se pós-humano (extropiano
ou tecnogenético), ou permanecer resistente? E é por esse dilema que a saga
deste protagonista então se inicia.
Ao imergirmos em Biocyberdrama Saga,
percebemos uma pós-humanidade perturbada e dividida pelos constantes conflitos
e disputas de poder entre as espécies. Extropianos e tecnogenéticos competem
por novos adeptos, tornando a cidade-estado Thule uma verdadeira zona de guerra.
E os quase extintos humanos chamados de resistentes, lutam pela conservação da
espécie. Perpetua o egocentrismo em meio a avançada ciência e tecnologia, o
pouco desenvolvimento da essência apesar do grande progresso da racionalidade, como
problematiza Capra em seu livro "O Ponto de Mutação", em relação a
nossa contemporaneidade:
“Nosso
progresso, portanto, foi uma questão predominantemente racional e intelectual, e
essa evolução unilateral atingiu agora um estágio alarmante, uma situação tão
paradoxal que beira a insanidade. Podemos controlar os pousos suaves de
espaçonaves em planetas distantes, mas somos incapazes de controlar a fumaça
poluente expelida por nossos automóveis e nossas fábricas. Propomos a
instalação de comunidades utópicas em gigantescas colônias espaciais, mas não
podemos administrar nossas cidades. O mundo dos negócios faz-nos acreditar que
o fato de gigantescas indústrias produzirem alimentos especiais para cachorros
e cosméticos é um sinal de nosso elevado padrão de vida, enquanto os
economistas tentam dizer-nos que não dispomos de recursos para enfrentar os
custos de uma adequada assistência à saúde, os gastos com educação ou
transportes públicos. A ciência médica e a farmacologia estão pondo em perigo
nossa saúde, e o Departamento de Defesa tornou-se a maior ameaça à segurança
nacional. São esses os resultados da exagerada ênfase dada ao nosso lado yang, ou
masculino — conhecimento racional, análise, expansão —, e da negligência a que
ficou sujeito o nosso lado yin, ou feminino — sabedoria intuitiva, síntese e
consciência ecológica.”
A eugenia genética propagada pelas
espécies pós-humanas através de seus tecnocultos, é se não, uma equivocada
visão de que possível seria uma iluminação coletiva por meio de recursos tecnológicos,
partindo de que o desenvolvimento científico estaria diretamente ligado a
essencial revolução interna, do indivíduo. Como nota-se, por exemplo, através
do discurso do líder tecnogenético radical Rosen, - logo no início da narrativa
- em que nele prega a absoluta destruição de extropianos para completarem a
“evolução total”, isto é, atingirem a forma totêmica de seres que resgatam os
mitos imemoriais por meio da hibridização e da biogenética.
Já os extropianos, ao que indica, em
sua forma final tornam-se meras “entidades mentais” ao transferirem a
consciência para chips de computador, ávidos por conhecimento após
definitivamente se desconectarem da sabedoria intuitiva inerente a essência. Dessa
forma, muitos chegam a cometer o “extrosuicídio”, um auto desligamento.
Em alguns aspectos, identifiquei-me
com a personagem tecnogenética Orlane, principalmente por sua coragem e força
interior, mas desaprovando sua atitude em se modificar fisicamente por causa de
Antônio. Uma mudança externa incapaz de resgatar a harmonia interna após o
rancor gerado pela rejeição do personagem, preso a tradição de sua família
resistente, sendo somente o verdadeiro perdão capaz de reatar os laços entre
eles.
Antônio Euclides é o único que de
fato demonstra revolucionar-se ao longo de sua jornada por esse instigante
universo da Aurora. Antônio, que de jovem aberto e pacífico, passa a liderar um
arraial de resistentes radicais e letais atentados contra as demais espécies, é
resgatado pela essencial e transformadora força do amor incondicional, sendo
ele, o que nos torna unos com a existência. O mito ômega, o ser pós-humano
prestes a nascer retratado ao fim da narrativa e que contêm todas as espécies, é
provavelmente o símbolo da unidade gerada por este amor e o fim das disputas de
poder; é o símbolo da "maior alquimia", em sua pureza, como o grande
mestre OSHO declara no texto "A maior alquimia": "O amor é a
maior alquimia. Ele transforma metais em ouro." É, portanto, provavelmente,
a pedra filosofal que devemos buscar.'
Thaisa
Maia Gonçalves Pereira é estudante de Letras – Estudos Literários na UFG. Escreve
poesias e desenha, toca e compõe, tendo elaborado o fanzine “Alvorescer” que já
se encontra no no. 3.
Essa resenha que lerão é da poetisa Thaisa Maia, e vale muito a pena, pois descortina mais um lado da obra BioCyberDrama Saga de E. Franco e M. Couto! E eu diria que esse lado que ela descortinou é o essencial que permeia aquilo que a obra denuncia faltar no futuro possível que Franco delineou, fruto de uma ausência de desenvolvimento profícuo daquilo que, como disse, seria o essencial e a raça humana vem obliterando aos poucos...! (Gazy)
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